quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Carta de Amor de Fernando Pessoa a Ophélia Queirós


   Para me mostrar o seu desprezo, ou pelo menos, a sua indiferença real, não era preciso o disfarce transparente de um discurso tão comprido, nem da serie de « razões » tão pouco sinceras como convincentes, que me escreveu. Bastava dizer-m'o. Assim, entendo da mesma maneira, mas doe-me mais.
    Se prefere a mim o rapaz que namora, e de quem naturalmente gosta muito, como lhe posso eu levar isso a mal? A Opheliazinha pode preferir quem quiser: não tem obrigação - creio eu - de amar-me, nem, realmente necessidade (a não ser que queira divertir-se) de fingir que me ama.
    Quem ama verdadeiramente não escreve cartas que parecem requerimentos de advogado. O amor não estuda tanto as cousas, nem trata os outros como réus que é preciso « entalar » .
    Porque não é franca comigo? Que empenho tem em fazer sofrer quem não lhe fez mal - nem a si, nem a ninguém-, e quem tem por peso e dor bastante a própria vida isolada e triste, e não precisa de que lh'a venham acrescentar creando-lhe esperanças falsas, mostrando-lhe afeições fingidas e isto sem que se perceba com que interesse, mesmo de divertimento, ou com que proveito, mesmo de troça.
    Reconheço que tudo isto é cômico, e que a parte mais cômica d'isto tudo sou eu.
    Eu-proprio acharia graça, se não a amasse tanto, e se tivesse tempo para pensar em outra cousa que não fosse não fosse no sofrimento que tem prazer em causar-me sem que eu, a não ser por amá-la, o tenha merecido, e creio bem que amá-la não é razão bastante para o merecer. Enfim…
    Ahi fica o documento escritoque me pede. Reconhece a minha assinatura o tabelião Eugenio Silva.

Fernando

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